Os Polos Geradores de Viagens (PGVs) são locais ou instalações de distintas naturezas que têm em comum o desenvolvimento de atividades em um porte e escala capazes de exercer grande atratividade sobre a população, produzir um contingente significativo de viagens, necessitar de grandes espaços para estacionamento, carga e descarga e embarque e desembarque, promovendo, consequentemente, potenciais impactos. Os shopping centers, hipermercados, hospitais, universidades, estádios, terminais de carga, estações de transportes público e mesmo áreas protegidas do tráfego de passagem com múltiplas instalações produtoras de viagens são alguns tipos de PGV. 

No Brasil, a CET-SP teve um certo pioneirismo no tratamento desses empreendimentos denominados, na época, como Polos Geradores de Tráfego (PGTs), considerando seu foco no tráfego motorizado. Ao longo do tempo, novas denominações e conceitos foram sendo observados na literatura, cuja evolução é sintetizada na Tabela 1. 

 

Tabela 1: Conceitos e definições nacionais

NOME/ SIGLA

CONCEITO / IMPACTOS CONSIDERADOS

REFERÊNCIAS

Polos geradores de tráfego

PGT

Empreendimentos de grande porte que atraem ou produzem grande número de viagens.

Seu foco consiste no tráfego motorizado, em especial os automóveis, e nos impactos no sistema viário (na circulação, no acesso e na segurança).

CET-SP (1983); Grando (1986) Denatran (2001); Portugal e Goldner (2003)

Polos atrativos de trânsito

PAT

Enfatiza os estacionamentos e os impactos no tráfego das vias de acesso. Por exemplo, em 1998, segundo o Governo no Distrito Federal, são Edificações onde são desenvolvidas atividades de oferta de bens ou serviços que geram elevada rotatividade de veículos e interferem no tráfego do entorno, sendo obrigatória a construção de estacionamento obedecida à proporção mínima entre o número de vagas e a área do empreendimento.

Prefeitura Municipal de São Paulo (1992), CTB (1997), Governo do Distrito Federal (1998), Gonçalves (2012)

Empreendimento de impacto ambiental e urbano

EIAU

Edificação permanente que, pelo porte, gere grande afluxo de população, com substancial interferência no tráfego do entorno e na sua estrutura ambiental e urbana.

Prefeitura Municipal de São Paulo (1992)

Empreendimentos geradores de viagens

EGV

Inclui desde os impactos em curto prazo nos sistemas de transportes; aos impactos no médio e longo prazo, no uso e na ocupação do solo, da área de influência/ entorno e sua alteração no padrão e na demanda de viagens.

Kneib (2004)

Centros geradores de viagens

CGV

Considera a interação entre a implantação de um PGV com o uso do solo adjacente, alterando as características de centralidade de determinada área.

Kneib (2004)

Polos geradores de viagens

PGV

Passou a valorizar as viagens e as demais modalidades - em especial as não motorizadas e o transporte público – considerando ainda a acessibilidade e a mobilidade, bem como impactos não só na fluidez mas na segurança de trânsito, no ambiente, no desenvolvimento socioeconômico e na qualidade de vida.

RedePGV (2005)

Polos geradores de viagens sustentáveis

PGVS

Preocupa-se em localizar os empreendimentos em áreas que ofereçam condições que permitam estimular a mobilidade sustentável baseadas nos deslocamentos não motorizados e por transporte público

Holmes & Hemert (2008)

Polos geradores de desenvolvimento e qualidade de vida

PGDQV

Abordagem em desenvolvimento

 

Em consolidação na literatura

 

 

  Fontes: Gonçalves, F. S.; Lemos, D. C.P.S.; Kneib; E. C. e Portugal, L.S. (2012) Caracterização dos

  Polos Geradores de Viagens, p. 3 –  43, in “Polos Geradores de Viagens orientados à Qualidade de

Vida e Ambiental: Modelos e Taxas de Geração de Viagens”. PORTUGAL, L. S. (ORG.). Editora

Interciência. ISBN 978-85-7193-305-7. Rio de Janeiro. Brasil. 708 p.

 

Pode-se verificar que a conceituação dos PGVs (e respectivos estudos de impactos) destacava inicialmente a interferência do tráfego motorizado, principalmente a dos automóveis, no sistema viário quanto aos aspectos de circulação (em termos de fluidez e nível de serviço) e de estacionamento, com pouco destaque aos efeitos nasegurançadetrânsito, em especial a dos pedestres e ciclistas. Passa-se depois a incorporar a produção e atração de viagens, incluindo as demais modalidades - em especial as não motorizadas e as de transporte público, segundo uma preocupação de vias completas e sistemas de transportes integrados. A seguir, seu escopo de atuação se estendeu a outros setores, abrangendo os efeitos na acessibilidade e mobilidade (considerando que os PGVs apresentam condições favoráveis para a adoção de políticas de gerenciamento da demanda de viagens), no uso e na ocupação do solo, na estrutura urbana, bem como os impactos ambientais, sociais e no desenvolvimento urbano sustentável e na qualidade de vida (ver Gonçalves e Portugal, 2020).

Essa preocupação em ampliar o conceito dos PGVs reflete a necessidade de que os estudos de seus impactos pudessem melhor compreender e tratar os múltiplos problemas - cada vez mais intensos, diversificados e complexos – derivados da implantação de tais empreendimentos, a fim de preservar o interesse público e a qualidade de vida da sociedade. E tal desafio foi realçado e estruturado por mais de 50 pesquisadores da Rede PGV e documentados em Portugal et al. (2012).

Os PGVs podem ser classificados de acordo com o seu tipo e magnitude, estes ainda de acordo com a intensidade dos prováveis impactos (a) micropolos, para impactos isolados e pequenos, mas quando agrupados podem se tornar bastante significativos; e b) macropolos, construção individualizada, cujos impactos causados são maiores e expressivos, merecendo, consequentemente, uma atenção especial) ou dos fluxos veiculares, isto é: a) baixo (menos que 500 viagens veiculares na hora de pico), b) moderado (de 500 a 1000 viagens na hora de pico) e c) alto (mais de 1000 viagens na hora de pico) (CET-SP, ITE). Inclusive Gonçalves (2012) sugere uma classificação dos principais tipos de PGVs, de acordo com categorias gradativas de impacto potencial e sua localização, buscando relacionar tais categorias com o tamanho da área de estudo, o horizonte de projeto e as técnicas de análise mais indicadas, auxiliando os técnicos a realizarem os estudos de impactos.

A partir destes conceitos, torna-se fundamental se dispor de critérios para se determinar objetivamente quais empreendimentos são enquadrados como PGV e precisam ser submetidos à sistemática de licenciamento exigida pela Prefeitura, que tem essa missão de concebê-la e implementá-la com o respaldo legal.

Apesar de que alguns empreendimentos - como Autódromos, hipódromos e estádios esportivos; Terminais rodoviários, ferroviários e aeroviários - poderem ser classificados como PGV, considerando apenas o seu tipo, independentemente do seu porte (Cunha, 2009), a maioria requer o estabelecimento destes critérios e parâmetros que caracterizam o PGV. E isto depende das especificidades locais, do tamanho e porte da cidade e da própria estrutura institucional e recursos disponíveis na Prefeitura para cumprir essa atribuição. Na Tabela 2, como exemplo, apresenta-se uma síntese de tais critérios e parâmetros adotados em 3 municípios brasileiros.

 

Tabela 2: Critérios de caracterização dos PGVs adotados em algumas cidades do Brasil

Atividade

Brasil

Rio de Janeiro

São Paulo

Juiz de Fora

VA

P/C

VA

P/C

VA

P/C

Conjunto residencial, multifamiliar, vertical

UH

> 200

NE

NE

UH

> 100

Conjunto residencial, multifamiliar, horizontal

UH

> 200

NE

NE

UH

> 50

Shopping Centers

AC

> 2.500 m2

AC

> 2.500 m2

AT

> 1.500 m2

Lojas de Departamento

AC

> 2.500 m2

AC

> 2.500 m2

AT

> 1.500 m2

Minimercado, supermercado ou hipermercado

AC

> 500 m2

AC

> 2.500 m2

AT

> 1.500 m2

Entreposto, terminal, armazém e depósito

AC

> 5.000 m2

AC

> 5.000 m2

AT

> 3.000 m2

Escritório

AC

> 10.000 m2

AC

> 10.000 m2

AT

> 6.000 m2

Hotel

AC

> 10.000 m2

AC

> 10.000 m2

AT

> 6.000 m2

Motel

AC

> 5.000 m2

AC

> 5.000 m2

AT

> 3.000 m2

Hospital e maternidade

AC

> 10.000 m2

AC

> 10.000 m2

AT

> 6.000 m2

Pronto socorro, clínica, laboratório, consultório e ambulatório

AC

> 250 m2

AC

> 250 m2

AT

>300 m2

Universidade e faculdade

AC

-

AC

> 2.500 m2

AT

> 2.000 m2

Curso supletivo e curso preparatório

AC

>2.500 m2

AC

> 2.500 m2

AT

> 2.000 m2

Escola de 1º e 2º grau e curso técnico-profissional

AC

>2.500 m2

AC

> 2.500 m2

AT

>2.500 m2

Escola Maternal e Pré-escolar

AC

> 250 m2

AC

> 250 m2

AT

> 300 m2

Academia de ginástica, esporte, curso de línguas, escola de arte, dança, música, quadras e salão de esportes (cobertos)

AC

> 250 m2

AC

> 250 m2

AT

> 300 m2

Restaurante, choperias, pizzaria, casa de música, boate, casa de chá, cafeteria, salão de festas, de baile e buffets

AC

> 250 m2

AC

> 250 m2

AT

> 300 m2

Indústria

AC

> 10.000 m2

AC

> 10.000 m2

AT

> 10.000 m2

Cinema, teatro, auditório e local de culto

LG

> 300

LG

> 300

LG

> 300

Quadra de esportes (descoberta)

AT

> 500 m2

AT

> 500 m2

AT

> 500 m2

Estádio e ginásio

AC

> 3.000 m2

AC

> 3.000 m2

-

-

Pavilhão para feiras, exposições e parque de diversões

AC

> 3.000 m2

AC

> 3.000 m2

NE

NE

Parque, zoológico e horto

-

-

AC

> 3.000 m2

NE

NE

Autódromo e hipódromo

-

-

NE

NE

NE

NE

Atividade com sistema drive through

-

-

NE

NE

NE

NE

Concessionária de veículos

-

-

NE

NE

NE

NE

Oficina mecânica

AC

> 250 m2

NE

NE

NE

NE

Terminal rodoviário, ferroviário e aeroviário

NE

NE

NE

NE

NE

NE

Estacionamento

NE

NE

NE

NE

NE

NE

Posto de gasolina com loja de conveniências

NE

NE

NE

NE

NE

NE

Posto de gasolina

NE

NE

NE

NE

NE

NE

 

 

 

 

 

 

 

Legenda: VA (Variável Explicativa), P/C (Porte / Capacidade), UH (Unidade Habitacional), AC (Área Construída), AT (Área Total), LG (Lugares), NE (Não Especificado), - (Qualquer Área).

                                                            Fontes: CET-SP (1983), Cunha (2009) e Gonçalves (2012).

 

Naturalmente, a legislação vem sofrendo alterações com vistas a se adaptar ao desenvolvimento e a dinâmica das cidades. Por exemplo, a Prefeitura de São Paulo, com base na Lei Municipal no 15.150, de 06 de maio de 2010, diminuiu consideravelmente as categorias de PGVs, como mostra a Tabela 3.

 

Tabela 3: Síntese dos valores definidores de PGV recomendados para o município de São Paulo (2010)

 

Atividade

Área

Computável (m²)

Capacidade

Habitação

----------

500 vagas

Qualquer uso não residencial localizado em Área Especial de Tráfego - AET

----------

120 vagas

Qualquer uso não residencial localizado nas demais áreas do município

----------

280 vagas

Prestação de Serviço de Saúde

7.500

----------

Prestação de Serviço de Educação

2.500

----------

Locais de Reunião

----------

500 pessoas

Atividades e Serviços Públicos de Caráter Especial

Atividades Temporárias

Prática de Exercício Físico ou Esporte

2.500

----------

 

Por fim, cabe assinalar que os PGVs, ao se caracterizarem por concentrar atividades no espaço, podem promover ganhos comparativos e competitivos frutos das economias de escala, favorecendo os seus clientes e os seus empreendedores. Entretanto, quando essas concentrações são excessivas ou instaladas em locais incompatíveis, podem provocar a saturação das infraestruturas coletivas e as disfunções sociais.

 

Devido a esta dualidade, é fundamental que a implementação de um PGV seja apreciada através da realização de estudos, devidamente respaldados tecnicamente, para prever e tratar os impactos, minimizando os de natureza negativa, a níveis aceitáveis, e maximizando os de caráter positivo. E tais estudos devem estar inseridos numa sistemática de licenciamento e em conformidade com as diretrizes de desenvolvimento socioeconômico defendidas pelo Plano Diretor, servindo de referência na escolha de adequados localização e projetos de PGV. Espera-se assim garantir os interesses do empreendedor e dos clientes do estabelecimento, mas preservando os da sociedade numa perspectiva de sustentabilidade. Nesse processo, ressalta-se o papel fundamental de se dispor de apropriados critérios e parâmetros que irão determinar os empreendimentos a serem classificados como PGV, o que envolve um acompanhamento e aprimoramento permanente.

 

Para maiores informações, favor consultar:

- Portugal, L.S. e Goldner, L. G. (2003) Estudo de Polos Geradores de Tráfego e de seus Impactos nos Sistemas Viários e de Transportes. Editora Edgard Blucher.

- Portugal L. S. et al. (2012) Polos Geradores de Viagens Orientados à Qualidade de Vida e Ambiental: Modelos e Taxas de Geração de Viagens, Rede Ibero-americana de Estudo em Polos Geradores de Viagens, Editora Interciência.

- Gonçalves, F. S.; Lemos, D. C.P.S.; Kneib; E. C. e Portugal, L.S. (2012) Caracterização dos Polos Geradores de Viagens, p. 3 – 43, in “Polos Geradores de Viagens orientados à Qualidade de Vida e Ambiental: Modelos e Taxas de Geração de Viagens”. PORTUGAL, L. S. (ORG.). Editora Interciência. ISBN 978-85-7193-305-7. Rio de Janeiro. Brasil. 708 p.

- Portugal, L. S., Florez, J. e Silva, A.N.R. (2006) Latin American Transportation Research Network: A Tool for Transforming and Upgrading the Quality of Life. In: 85th Annual Meeting of the Transportation Research Board, 2006, Washington D.C. 85th Annual Meeting of the Transportation Research Board. CD-Rom. Washington D.C.: TRB - Transportation Research Board, 2006.

- Kneib, E. C. (2004) Caracterização de empreendimentos geradores de viagens: contribuição conceitual à análise de seus impactos no uso, ocupação e valorização do solo urbano. Dissertação de mestrado em Transportes, Universidade de Brasília.

- Gonçalves, F. S. (2012) Classificação dos PGVs e sua Relação com as Técnicas de Análise de Impactos Viários. Dissertação de Mestrado. PET-COPPE/UFRJ.

- Gonçalves, F.S. e Portugal, L.S. (2020) Traffic impact studies committed to sustainability: The case of Rio de Janeiro. Journal of Environmental Management Vol 253, 109573, p. 1-9, 01 Jan 2020, 0301-4797/ https://doi.org/10.1016/j.jenvman.2019.109573.





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